O bordado manual é uma rica representação cultural e humana que pode ser observada em praticamente todas as sociedades. Existem inúmeras variações de técnicas, pontos, motivos e formas de aplicação.
Seja pela geografia, religiosidade, ou por influências de antigos impérios e rotas de comércio. Cada um a seu modo, o bordado é um reflexo do modo de ser e dos costumes de cada povo.
Agora, você já se perguntou quando e onde surgiu essa linda arte do bordado à mão?
Para os bordadeiros e bordadeiras do Grupo Matizes Dumont essa história se mistura à infância, quando linhas, e bordados povoavam os sonhos e o cotidiano. As agulhas, é claro, eram cuidadosamente guardadas pela matriarca Antônia Zulma Diniz Dumont, para quem linhas, letras e o tempo eram ajustados com a permissão para bordar.
Permissão dada depois que aprendiam a andar de bicicleta, tomar as rédeas do cavalo, nadar ou escrever as primeiras palavras. Até lá era permitido brincar com as caixas de linhas, arrumá-las seguindo a harmonia das cores ou enfeitar os vestidinhos das bonecas de pano feitas à mão.
Para os integrantes do Matizes Dumont, o bordado sempre foi parte das brincadeiras, das descobertas, do vivido.
Bordado Pré-Histórico
O fato é que o bordado à mão sempre fez parte da história das sociedades humanas. Não se sabe ao certo onde nem quando ele surgiu, mas uma coisa é certa: a dupla agulha e linha existe desde a pré-história. Prova disso são as agulhas de osso e grânulos de sementes encontrados em cavernas da Europa Ocidental. Datando do período paleolítico, fornecem evidências dos primeiros trabalhos manuais com agulha.
Não eram bordados propriamente ditos, pelo menos não no conceito atual e contemporâneo. Mas podemos dizer que foram os precursores, os ancestrais dos trabalhos manuais em agulha que temos hoje, como o bordado, o crochê e muitos outros.
Essas primeiras utilizações primitivas provavelmente surgiram para solucionar problemas práticos vivenciados por esses povos. Os “panos” eram feitos com peles de animais ou tecidos artesanais serviam para abrigar dos ventos em lugares abertos.
Bordado ocupando novos papéis – arte e beleza
A costura de tecidos tem um caráter utilitário e prático, mas um belo dia alguém teve a feliz ideia de usá-lo para algo mais: para criar belezas e comunicar vivências desenhando letras e imagens com agulha e linha. Pronto! Nascia o bordado como o conhecemos.
O tempo foi passando e o desejo de partilhar histórias e enfeitar objetos do dia a dia por meio do bordado aumentava e se sofisticava mais e mais. Para contar e recontar o vivido, novos pontos do bordado foram surgindo, adaptando a manualidade de acordo com a cultura de cada povo.
Apesar das características específicas de cada cultura, as mãos bordadeiras, em qualquer tempo e lugar, sempre têm algo a dizer. Com arte e beleza, o artista que borda fala do cotidiano, do mundo em geral, afirma identidade, revela pensamentos, ideologias e, acima de tudo, expressa carinho e afeto em cada detalhe bordado.
Foi assim que, ponto a ponto, a história do bordado à mão foi se entrelaçando com nossa própria história como seres naturalmente sociais. Os pontos de bordado registraram em tela momentos que ficaram para a posteridade, como rituais, guerras, descobertas científicas, acontecimentos e passagens marcantes da História.
Dentre os pontos de bordado à mão clássicos e mais usados vale citar os pontos:
- Atrás
- Haste
- Matiz
- Cheio
- Caseado
- Rococó
- Sombra
- Paris
- Alinhavos
- Correntinha
- Chavão
Dentre outros, que muitas vezes são reinventados em momentos de inspiração.
Um ponto atrás na História
Os mais antigos exemplares de peças bordadas à mão de que se tem registro foram encontrados no Egito. Outros objetos artísticos incluem tessituras da Grécia antiga e roupas de lã, bordadas na Idade do Bronze.
As sedas e gazes bordadas à mão profissionalmente foram criadas na China, já no século IV a.C., quando temas religiosos simbolizavam honra e respeito. Na Índia, animais e flores animavam mãos bordadeiras.
O bordado à mão foi se espalhando de forma criativa desde a África, passando pelo Oriente Médio, Ásia, Europa e América. Na América do Sul tivemos influência de vários povos, que enriqueceram a produção têxtil com a diversidade de técnicas, adereços, novos pontos de bordado e diferentes suportes de tecidos.
Aqui no Brasil podemos nos orgulhar da maravilhosa arte de cestaria e trançados com cipós do Cerrado e da Amazônia, produção de verdadeira trama que existia desde antes da chegada de Colombo ao continente americano.
Na Idade Média, as roupas dos padres, bispos e papas católicos exibiam finos bordados, que logo revelaram traços dos povos orientais por conta das Cruzadas. Nesse tempo, embora o bordado à mão ainda fosse considerado uma atividade doméstica feminina, os homens também bordavam.
Um dos maiores e mais antigos bordados de que se tem notícia mede 70 metros de comprimento e foi feito por anônimos bordadeiros e bordadeiras da região da Normandia, na França, entre 1070 e 1166.
Trata-se do incrível Bordado de Bayeux, confeccionado com fios de lã e algodão em um único pano, nas cores disponíveis na época – marrom, ocre e branco. As cenas bordadas ilustram sequências da Batalha de Hasting durante a invasão da Inglaterra pelos normandos, em 1066.
Mecanização do bordado – reinvenção do bordado à mão
Na chamada Idade Moderna, o bordado desce do pedestal de igrejas e alcança as roupas comuns, mas permanece acessível apenas aos mais ricos. Afinal, linhas ainda eram artigo raro e caro.
A confecção dos fios e sua tintura eram feitas manualmente. Isso vai mudar com a industrialização no final do séc. XIX, inclusive no Brasil, quando surgem as primeiras fábricas de linhas, em 1880, na região do Vale do Itajaí (SC), por iniciativa de imigrantes alemães.
Em relação à arte de bordar usando uma máquina, alguns registros citam um operário francês de nome desconhecido como o inventor da primeira máquina de bordar, em 1821. Quanto à invenção da máquina de costura, o crédito da patente vai para Isaac Merrit Singer, mecânico de Nova York, em 12 de agosto de 1851.
Talvez por isso mesmo, porque as mãos bordadeiras têm olhos que uma máquina não vê, surge uma revalorização das manualidades do século XX pra cá. A procura por trabalhos manuais e pela qualidade do acabamento mostra-se, até hoje, uma tendência.
O bordado em nosso grupo
Um bordado feito à mão dispensa palavras. Traduz emoções que uma máquina jamais conseguirá. Leva-nos às primeiras noções de cuidado ao redor do calor da fogueira, ao afeto da roupinha bordada para a criança que chega, aos tecidos mensageiros de histórias.
No Brasil, os tecidos trazidos por imigrantes de diferentes origens fizeram com que os pontos do bordado brasileiro logo ganhassem jeito e nuance próprios, em peças utilitárias, barrado de vestidos, roupas de cama e mesa.
Essa mesma criatividade e ousadia é a marca dos artistas do Grupo Matizes Dumont, que fazem Arte em Bordados. Bordado como linguagem, que conquistou o espaço das Artes Visuais.
Além disto, estenderam o bordado à mão para projetos de educação socioambiental, inovaram na ilustração de livros de renomados autores e usam a inédita metodologia “(A)bordar o Ser” em processos grupais de autodesenvolvimento.
Na força do pensamento de que as mãos têm razões que só o coração reconhece, os bordadeiros e bordadeiras do Grupo Matizes Dumont despontam no cenário internacional como artistas diferenciados.
São pioneiros em inovações do bordado à mão, surgindo na linha de frente do que hoje se chama bordado espontâneo ou bordado livre, ou “bordado a fio solto e malabares”.
Fazem e acontecem no entra e sai da agulha até que velhos pontos ganhem cara nova. Isso porque suas mãos criativas têm legitimidade para brincar com os pontos clássicos.
O bordado foi mecanizado, o bordado à mão se reinventou e agora volta à moda no universo moderno de mulheres e, também, de homens.
E a história continua…
Amei o texto. Muito enriquecedor.
Parabéns, Marilu!
Muito lindo como vc descreve a arte do bordado. Texto lindo! Parabéns! Percebe-se seu talento também com as palavras, as idéias e com o humano e o divino em nós e em “nós e linhas”
Que inspiração, curar a expressão