A Arte sempre esteve aqui – você só precisa sentir

Tem algo invisível, mas que conecta você, como se houvesse um fio que costura sua história, sua identidade e suas memórias afetivas em um tecido também invisível. Isso é o que a arte faz e a gente às vezes nem percebe. Mas ela sempre esteve presente na humanidade. E é bom lembrar que a arte não está apenas em galerias ou museus. Ela pulsa em cada ponto bordado, nas cores que compõem um desenho, nas linhas que constroem paisagens na arquitetura da vida com emoções.

Mãos lidando com Linha.

Muitos de nós fomos ensinados a acreditar que arte é privilégio de poucos, que está distante da realidade do dia a dia. No entanto, basta um olhar atento para perceber que ela está presente no cotidiano: no bordado que cobre a mesa da avó, na pintura que decora sua sala, no desenho que se forma nas linhas dos prédios. A arte sempre esteve aqui, contando nossas narrativas de forma sutil e visceral ao mesmo tempo.

Raízes e Influências da Arte Brasileira

Todas as linguagens da arte brasileira, carregam heranças de diferentes povos, entrelaçadas para formar uma identidade e cultura extraordinárias e não nasceram do acaso. Ela é resultado do encontro de culturas, da resistência dos povos indígenas, da força da ancestralidade africana e da técnica europeia reinventada com nossa espontaneidade. Cada expressão artística, seja um bordado, uma tela ou uma cantiga, carrega um pedacinho dessa trajetória.

Pintura Famille de Botocoudos en marche do artista Jean-Baptiste Debret,1834. Pintura mostra uma família de pessoas nativas brasileiras caminhando por paisagem bucólica.

Famille de Botocoudos en marche – Jean-Baptiste Debret,1834

A Arte Indígena: O Primeiro Capítulo da Nossa História

Muito antes da chegada dos colonizadores, os povos indígenas já desenhavam a identidade do Brasil por meio de grafismos, cerâmicas e artes plumárias. Criações carregadas de significados, conectando passado, presente e espiritualidade.

Essa arte continua viva e ressignificada, reinventando-se através das mãos de artistas contemporâneos como Jaider Esbell, Denilson Baniwa e Daiara Tukano, que transformam tradição em manifestação, criando pontes entre o passado e o presente.

Desenho e criação de Demostenes Dumont Vargas Filho. Bordados Matizes Dumont.

Desenho e criação de Demostenes Dumont Vargas Filho. Bordados Matizes Dumont.

A Influência Africana: Ritmo, Cor e Resistência

Com a chegada forçada de africanos escravizados, o Brasil ganhou não apenas mãos, mas também alma. O som dos tambores, os padrões vibrantes dos tecidos, a força das esculturas e as manifestações religiosas deram novo tom à identidade artística nacional.

Hoje, artistas como Rosana Paulino e Emanoel Araújo resgatam essa herança por meio de obras que questionam a história da arte e propõem uma revisão crítica das narrativas dominantes.

Foto da artista Rosana Paulino. Fonte - Jornal da Universidade UFRGS

Foto de Rosana Paulino. Fonte – Jornal da Universidade UFRGS

O Barroco e a Influência Europeia: Entre a Tradição e a Reinvenção

Com a colonização portuguesa, o barroco dourou igrejas, esculturas e cidades históricas, dentre elas Ouro Preto, Diamantina, Salvador. O barroco se consolidou como a principal

expressão artística do período colonial. O entalhe na madeira, as esculturas douradas e as pinturas sacras revelavam a força da fé e o poder das elites religiosas e econômicas da época. As obras de Aleijadinho deram forma a uma expressividade dramática, provando que a arte europeia, ao encontrar mãos brasileiras, ganha uma nova linguagem.

Jesus escarnecido pelos soldados romanos, Santuário de Congonhas – Aleijadinho. Foto de RIcardo André Frantz.

O Encontro de Culturas: A Formação da Estética Brasileira

O Brasil não apenas absorveu influências – ele as transformou. Foi assim que nasceram movimentos como o modernismo, o tropicalismo e, claro, a arte popular que traduz a alma do povo. Hoje, essa expressão se reflete no bordado que conta histórias do sertão, nas Carrancas ou Imagens de Proa do rio São Francisco, nos cantos de trabalho ou de reza, na arte urbana das periferias e na cerâmica que revisita a ancestralidade.

Obra Carrancas do São Francisco. Grupo Matizes Dumont

Compreender as raízes da nossa arte é um ato de resistência e pertencimento. E as obras cheias de brasilidade são um elo entre nós e nossas próprias raízes e um compromisso com a nossa identidade cultural.

A Arte como construção de uma sociedade mais sensível, empática e humana

A arte tem um poder raro e essencial: ela nos devolve a humanidade. Em um mundo onde o ritmo frenético muitas vezes nos desconecta da sensibilidade, a arte se torna um respiro, uma ponte para a empatia e um convite ao sentir. Mas, para além da contemplação, a arte também é uma ferramenta de transformação profunda, capaz de mudar indivíduos e sociedades.

Ela nos permite ver o outro. Ao observar um bordado que retrata memórias afetivas, uma pintura que traduz a luta de um povo ou uma expressão teatral que dá voz ao silenciado, somos levados a enxergar realidades para além das nossas.

Exposição Matizes Dumont

Esse processo amplia nossa capacidade de compreender emoções que talvez nunca tenhamos experimentado, tornando-nos mais sensíveis e conectados.

Uma sociedade que marginaliza a arte perde a oportunidade de cultivar a empatia e a criatividade. No Brasil, onde a desigualdade social cria realidades distintas e muitas vezes distantes entre si, a arte atua como um ponto de encontro, um espaço onde histórias diferentes coexistem e dialogam.

Tradições Orais: A Arte viva na memória e na palavra

Antes de ser escrita, a arte foi contada. As histórias narradas sob a luz da fogueira, os cantos das festas populares e os mitos que atravessam séculos são a prova de que a oralidade é uma das mais potentes manifestações artísticas.

No interior do Brasil, a contagem de histórias ainda é um elo essencial entre as gerações. Avós e avôs carregam no timbre da voz as memórias de um tempo que vive através das palavras. Para aqueles que valorizam a brasilidade e o afeto das lembranças, essas narrativas são tesouros que ressoam na alma.

Do mesmo modo, as festas populares como o maracatu, o boi-bumbá e as folias de reis, dão vida a uma arte coletiva, onde cultura e pertencimento se entrelaçam. Nesses eventos, o indivíduo se funde ao coletivo, e a história de um povo se torna a história de todos.

Obra Folia de Reis. Grupo Matizes Dumont

Desafios para a Valorização e Democratização da Arte Brasileira

A arte é um direito, não um privilégio. No entanto, em um país de contrastes tão profundos como o Brasil, o acesso à cultura ainda é uma realidade para poucos.

O que acontece com um mundo que cresce sem arte? Sem cores, sem histórias, sem a liberdade de expressão que transforma vidas? A verdade é que estamos cada vez mais distantes da arte e isso tem consequências profundas.

Museus vazios, teatros inacessíveis, artistas sem incentivo – a arte brasileira, tão rica e diversa, enfrenta barreiras que limitam sua difusão e seu reconhecimento como parte essencial da identidade nacional.

Da falta de investimentos e apoio à cultura à exclusão cultural

O Brasil é um celeiro de expressões artísticas, mas a estrutura pública que deveria sustentá-las é frágil. Programas de fomento são constantemente ameaçados, museus e centros culturais operam com recursos reduzidos e muitos artistas precisam se desdobrar para financiar seus próprios projetos.

Sem incentivos consistentes, a arte se torna dependente do setor privado, restringindo seu alcance e consolidando a ideia de que cultura é um produto para poucos. De acordo com o IBGE, 95% dos brasileiros nunca visitaram um museu e 93% nunca foram a uma exposição de arte. Isso não reflete falta de interesse, mas sim de acesso. O preço de ingressos, a localização de espaços culturais e a pouca divulgação de eventos fazem com que a arte permaneça distante da maioria da população.

SP-Arte 2022 – Divulgação.

O problema também afeta a produção artística. Jovens talentosos encontram barreiras para desenvolver suas carreiras, pois faltam recursos, formação e espaços de exposição. O resultado é um apagamento progressivo de talentos que poderiam enriquecer ainda mais a cultura nacional.

O Convívio com a Arte: Tecendo Curiosidade, Esperança e Diversidade

A arte nunca acontece sozinha. Ela brota no encontro, cresce na troca e se expande quando compartilhada. É no calor de uma roda de conversa, na vibração de um festival popular ou no encanto de um teatro de rua que a arte atinge seu verdadeiro potencial: o de conectar, transformar e emocionar.

No Brasil, a arte sempre foi uma costura de vozes e expressões, tecendo histórias que resistem ao tempo. Das narrativas orais que atravessam gerações aos festivais que fazem o coração da cultura pulsar, a arte nos lembra que pertencemos uns aos outros e que nossa identidade se fortalece na coletividade.

Brasília

13/02/2025

assinatura Marilu Dumont

 

Publicações relacionadas

A linha invisível entre Arte e Memória Afetiva
A linha invisível entre Arte e Memória Afetiva

A arte e a memória afetiva estão entrelaçadas por uma linha invisível, delicada e poderosa, que costura nossas emoções ao tempo. A criação artística é um fio que nos liga ao vivido, ressignificando lembranças e transformando sentimentos em expressão visual. No vasto...

A Arte de Transformar: Democratizando a Criatividade no Brasil
A Arte de Transformar: Democratizando a Criatividade no Brasil

Desde criança, a criatividade nos pertence. Desenhamos sem medo, dançamos sem vergonha nenhuma, imaginação é sem fronteiras. Mas, conforme crescemos pernas que antes corriam são paralisadas,  algo se perde. A nós são repassados preconceitos, e a partir daí passamos a...

Dança da Vida – ou Danças que a Vida Tem!
Dança da Vida – ou Danças que a Vida Tem!

A dança da vida andam por aí ligadas ao mesmo movimento – movimento apaixonado de estar com inteireza na vida.   A vitrola comprada no Dedeco toca  “mambo”, “rumba” ou bolero lero... lero... lero! No piso de tijolos da casa de Vó a dança é um hábito cheio de paixão da...

Um Bordado Chamado Cuidado (ou Bordados do cuidar)
Um Bordado Chamado Cuidado (ou Bordados do cuidar)

No mundo em que desejamos viver, o ser humano e a natureza vivem em harmonia. Esse mundo será possível quando nos reconhecermos como mais uma criatura sob a guarda amorosa da Terra Mãe. Será um mundo permeado de respeito mútuo entre todos os reinos, mantido pela...

1 Comentário

  1. Márcia Corina Mendes lins

    Senti emoção,a criatividade ,a sensibilidade, expressão,amorosidade.
    Toda cultura retratada .Mostrando a beleza de um povo.

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *