Às vezes, é no lado que tentamos esconder que mora a nossa beleza mais intensa e verdadeira. Convido você a olhar com mais ternura para os seus próprios avessos — assim como aprendi a fazer com os meus.

Avesso de mim. Foto Marilu Dumont. Bordado Ângela Dumont
Segredos do avesso
Há uma poética silenciosa que só o pano entende. Uma linguagem que escapa aos olhos apressados, mas revela-se para quem ousa olhar mais fundo.

Segredos do avesso. Bordado Matizes Dumont.
Foto Marilu Dumont.
De um lado, o bordado mostra sua face organizada — o ponto bem dado, a beleza contida, o contorno nítido. Do outro, o avesso: emaranhado, irregular, imperfeito.
Somos educados para mostrar o lado certo. O lado que parece estar tudo bem, tudo sob controle. Nos ensinaram desde cedo a esconder os nós, a cortar os excessos, a disfarçar os erros com ponto invisível.
Vida e o ponto imperfeito

Avesso Matizes Dumont. Foto Marilu Dumont
Mas viver só no direito e perder de si? O avesso é a memória do gesto. É onde mora a alma do processo.
Ele não tenta ser mais do que é. Mostra a pressa de um dia difícil, a distração que virou desvio, o improviso que virou estilo. Guarda as hesitações de quem borda, mas também a coragem de continuar mesmo quando o ponto parece falhar ou a linha desfia e desafia.
Na laçada apertada, no ponto desfeito, o reinício está lá. Guardado como uma confidência entre criador e criação. Aprendi desde muito cedo a respeitar esse lugar.
A dupla face do pano e o direito ao avesso imperfeito

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E talvez precisemos todos lembrar disso. Que há um direito ao avesso na nossa própria história. Porque o avesso não mente. Ele apenas é.
E há algo profundamente curativo em reconhecer esse outro lado. Não como falha. Mas como rastro por onde andei — e você também pode ter andado — na sua própria vida bordadeira (ou não).
O bordado que você vê pronto não conta tudo. Não fala do dia em que a agulha caiu no chão três vezes. Nem do momento em que o ponto foi feito com alegria. Muito menos da pausa que foi necessária para chorar. Mas o avesso conta.
E se você a gente olhasse com mais cuidado para os avessos dos seus próprios processos? Há neles não só técnica, mas também emoção. Medo, dúvida, fé. Tem você inteira(o) ali, mesmo quando tenta não se mostrar ao mundo.
Confissões da linha solta

Confissões da linha solta. Avesso de uma frase.
Foto Marilu Dumont
Nos tecidos da vida bordadeira, o avesso é inevitável. Ele surge quando amamos intensamente, quando sofremos silenciosamente, quando tentamos ser fortes demais por muito tempo. E mesmo assim seguimos ponto a ponto — tentando costurar e bordar algum sentido no caos.
Precisamos menos de pontos perfeitos e mais de avessos bem contados. O mundo carece de ver mais avessos. Mais gente dizendo “aqui eu fui só humano”. Há algo de sagrado nesse descontrole. Nesse fio que não se alinhou e seguiu adiante.

Avesso de Athena. Bordado Matizes Dumont.
Foto Marilu Dumont.
E se a sua vida parece uma bagunça de linhas por trás do pano isso pode ser parte da beleza. É nesse lado não-editado, cru, real, que sua alma respira. Pode ser que no avesso que você esconde esteja exatamente a sua beleza mais sincera.
O avesso do bordado guarda o gesto que o direito não mostrou. Pegue um bordado seu e vire-o ao avesso. Observe: qual nó conta sua história mais bonita?
Brasília, 27 de maio de 2025.
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