Quando a linha é o caminho: bordado como autocuidado no tempo presente

Convite para esperançar 

Você já sentiu que suas emoções estão embaraçadas como uma bola de linha? 

Pense que as linhas do bordado — sim, aquele da infância, das avós, da tradição — pode ser uma prática  de autocuidado e reconexão. Por exemplo, pense que um ponto no tecido pode ser um passo rumo à saúde emocional. E ainda  convido você para experimentar isso na prática. Imagem de uma cena de natureza bordada em cores imaginárias. Aqui, usa-se o bordado como autocuidado.

Céu de abril nos dá notícias da mudança de estação – ou mudança de tempos? Por isso, essa transformação é, acima de tudo, uma oportunidade para exercícios do olhar e da escuta com sensibilidade. 

É tempo de sentir-se um ser vivente, bem plantado no chão, onde cada um de nós está em colóquio com a esperança. 

No dia 7 de abril, o Dia Mundial da Saúde nos lembra da necessidade de ações efetivas para a Promoção da Saúde. Assim, neste momento, podemos redescobrir o fio que nos conduz a atitudes para rebordar a esperança: “o cuidado como ser essencial” na perspectiva de Leonardo Boff.  

Quando perdemos o fio do cuidado 

Na correria do mundo moderno, estamos cada vez mais afastados de práticas simples e ancestrais de autocuidado — aquelas que nos conectavam com o tempo do corpo, com a escuta silenciosa e com o prazer de fazer algo com as próprias mãos. 

Atualmente, vivemos imersos em rotinas intensas, hiper conectadas, com excesso de estímulos e urgência constante, que nos roubam o respiro, o silêncio e o contato, “com o que realmente importa” e nos faz sentir vivos. 

Bordar feito com linhas coloridas e pontos variados. O bordado como autocuidado.

Falta-nos tempo, falta-nos pausa. Falta-nos um espaço de reconexão com o sensível — com aquilo que, antes de curar, nos permite sentir. Já pensou que um momento como este pede reflexões sobre a arte de viver — e o viver com arte? 

Essa desconexão do tempo interior e da escuta sensível tem um preço: a saúde emocional começa a se fragilizar. As emoções se embaralham, o corpo pede pausa, a mente se cansa. O que falta, muitas vezes, não é apenas descanso — é espaço. Espaço para sentir, para criar, para simplesmente ser. 

E talvez por isso o resgate de memórias tenha tanto poder. Podemos buscar nos dias de meninice na praça, nas brincadeiras inventadas, naqueles passeios devagarinho, algo que ainda pulsa dentro de nós. É possível reencontrar os sons de nada, prestar atenção nos acasos e nas luzes do dia. E quem sabe, voltar a passear de mãos dadas com a vida. 

É como um luzeiro que brinca entre as árvores da imaginação e depois vai desenhar as mais lindas garatujas no céu de carneirinhos que o vento toca em arrepios. 

Mão segurando um bordado. Bordadeira tratando o bordado como autocuidado.

Bordar como caminho para dentro de si 

Aliás, o bordado, como todas as artes, é linguagem. É emoção, é gesto, é leitura do mundo e de si. Ou seja, no pano, registramos muito mais do que imagens: transbordamos memórias, afetos, camadas internas que às vezes não cabem em palavras. 

Quando a agulha e a linha se unem para cumprir seu propósito de fazer um ponto, algo dentro de nós também se alinha.  

O movimento simples e leve de puxar um fio ativa nuances de emoção e razão, lubrifica os pensamentos, e inicia uma prosa silenciosa entre os hemisférios do cérebro.  

É nesse ritmo – entre o desejo de acertar e o medo de errar, entre a coragem e a desistência – entre a força  ao puxar um fio e a delicadeza que linha e pano requerem – que nos damos conta: estamos bordando como vivemos. 

A metáfora é simples: o tecido com o risco para bordar é o contexto em que vivemos. Lá onde a costura da vida acontece. E a pergunta surge: em que medida estamos alinhando nossas relações, desejos e rotinas ao nosso propósito de vida? 

A arte tem essa função: nos devolver à nossa inteireza. Ela toca, encanta, emociona. Pode ser catarse, pode ser alívio ou revelação.  

Desse modo, na arte, encontramos caminhos de transformação que nos ajudam a organizar os fios internos — aqueles que muitas vezes vivem embaraçados dentro de nós. 

O bordado, entre todas as expressões artísticas, guarda algo de muito especial: o tempo. O tempo da pausa, do detalhe, da presença. Um tempo que percorre o caminho da cura. 

Tecido bordado em tons terrosos. As texturas do bordado como autocuidado.

Um convite à prática consciente 

Agora que você já percorreu esse caminho de reflexão, quero convidar você a experimentar na prática. Um gesto pequeno, mas cheio de simbolismo. Um experienciar o bordado livre com alma, calma e ousadia: 

  • Reserve 15 minutos do seu dia para se sentar em silêncio com uma agulha, linha e um pedaço de tecido simples; 
  • Não pense em perfeição. Não busque resultado. Apenas  sinta! Comece pela escolha de uma cor que represente seu estado emocional neste momento; 
  • Não sabe bordar? Não importa. Faça com que a agulha e a linha percorram o tecido aleatoriamente. Escolha a direção e dê o primeiro ponto. Depois o segundo. Respire com o ritmo; 
  • Permita-se bordar livremente, como se fosse uma conversa entre você e  o Ser sensível lá no seu interior; 
  • Ao final, exerça seu poder de síntese e escreva em um papel uma palavra  ou uma frase curta que represente o que você “bordou por dentro”. 

Detalhes de um bordado predominantemente em tons azuis, com deltahes em amarelo e laranja. Cores e texturas de bordado como autocuidado.

Esse gesto é um esforço de humanização — uma forma de organizar os fios internos, dar vazão ao que sentimos, e acolher aquilo que, por vezes, não conseguimos nomear.
A linha bordadeira é teimosa por natureza, e confia no movimento da vida. Você pode confiar também. 

Bordar é como viver: é preciso mergulhar na prática 

Mão segurando um tecido com um risco e metade de um coração bordado. O bordado como autocuidado.

É impossível entender a relação entre bordado e saúde sem se aventurar nesse ofício ancestral.  

Desde que comecei a usar o bordado como ofício, há mais de 40 anos, tenho aprendido — e ensinado — que o bordado é mais do que técnica: é um reflexo das nossas emoções, exercício de aceitação e de superação dos desafios. Ao bordar, nos deparamos com nossas fragilidades e, ao mesmo tempo, com uma força silenciosa que nos sustenta. 

Bordar, como viver, só se compreende na prática. É preciso entregar-se ao gesto, ao tempo do seu ponto, dos seus alinhavos e à escuta sensível que a linha propõe. Quando a agulha toca o tecido, emoção e razão começam a dialogar — nasce um campo de presença entre o medo de errar e a coragem de seguir.  

Assim, o pano bordado torna-se cenário da vida, com seus contornos, encontros e escolhas. Nesse movimento de dentro para fora, o bordado revela-se um caminho do cuidado e transformação. 

Bordar: conexão com a sua sensibilidade para o caminho do autoconhecimento 

A prática do bordado tem sido cada vez mais explorada em contextos terapêuticos, por sua capacidade de criar espaço para escuta, expressão e reconexão com o corpo e as emoções. Atua em duas dimensões: física e motora. 

Em sua dimensão física o bordado  é capaz de trabalhar as articulações, estimular e exercitar o nosso cérebro aliviando sintomas motores leves a moderados.  

Na dimensão subjetiva nos fortalece porque alivia as tensões, diminui o stress, cria espaço interno de acolhimento, serenidade, descobertas, foco, memória, confiança,  o que se traduz em alegria e disponibilidade para a vida. 

Um bordado colorido, em seu centro há duas crianças bordadas. Uma cena bordada que representa o bordado como autocuidado.

Inclusive, em nossas oficinas, especialmente por meio da vivência sócio psicopedagógica (A)Bordar o Ser, temos colhido relatos tocantes de transformação profunda: alívio da ansiedade e da depressão, da síndrome do pânico, alívio em situações diminuição da gagueira — resultados que não surgem do bordado em si, mas do que ele desperta em cada pessoa.  

Bordar nos coloca diante de nós mesmos: nos nossos medos, rigidezes, mas também na nossa capacidade de improvisar, brincar, soltar o controle. Essa escuta silenciosa do corpo e do gesto tem um valor inestimável em processos psicoterapêuticos, especialmente quando há bloqueios emocionais ou excesso de racionalização. 

Em outro momento voltaremos a esse tema — como o bordado pode ser um recurso complementar nos caminhos da saúde emocional e da psicoterapia. Por ora, deixo o convite: experimente, sinta no próprio corpo o que essa prática ancestral pode despertar em você. 

Bordar saúde e bem-estar: o que você leva disso? 

Marilu Dumont segurando linhas.

Antes de tudo, é preciso estar bem no mundo. E, muitas vezes, esse bem-estar começa no cuidado mais íntimo: o de cultivar um olhar amoroso sobre o próprio corpo — nossa primeira casa. 

O chamado de hoje é simples e profundo: puxar as linhas mais coloridas dentro de nós e bordar saúde, qualidade de vida e bem-estar. 

E você, com quais pensamentos, sentimentos e ações está alimentando sua caixinha interior? Vamos verdejar esperanças, ponto a ponto, para que dias mais leves possam  florescer. 

O bordado é muito mais do que uma técnica manual. Ele é uma ferramenta poderosa de autocuidado, autoconhecimento e transformação pessoal. Ao longo dos anos, tenho visto como essa prática pode aliviar dores emocionais e físicas, restaurar o equilíbrio e devolver um senso de propósito e conexão. 

Nesse caso, se você está em busca de uma atividade que una prazer, criatividade e bem-estar, o bordado pode ser esse caminho. 

Por fim, se quiser fazer esse percurso com orientação e afeto, convido você a conhecer a proposta (A)Bordar o Ser, onde o bordado se transforma em linguagem — e, muitas vezes no caminho da cura. 

E então… está pronta(o) para puxar o fio da esperança e bordar uma nova história? 

assinatura Marilu Dumont

 

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1 Comentário

  1. Mafalda Novello Goes

    Que maravilha Marilu! Gratidão.

    Responder

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