Entre Rios e Memórias: Bordar como gesto de cuidado com as Águas

Um chamado poético à preservação.

Onde nasce o seu rio? Talvez você diga que fica lá nas nascentes escondidas entre pedras e vegetação. Mas e se o rio nascer dentro de nós? Estaria nos cantinhos da memória, nas histórias da infância, nos quintais de avó onde a água corria entre brincadeiras e banhos de bacia? Onde você pratica o cuidado com as águas?

Recorte da obra “Amazonas Seres e Águas”. Grupo Matizes Dumont. Clique Aqui para ver a gravura completa.

Vivemos todos “entre rios.” Essa é uma verdade poética, mas as águas também vivem em nós.

Entender essa força e a responsabilidade de ser Povo d’água, de ser gente que vive entre rios é fundamental.

Não somos povo d’água apenas porque somos feitos de água.

Somos, porque vivemos entre riachos, veredas, olhos d’água, e carregamos em nosso corpo a fluidez da vida.

Bordado que mostra um homem e uma mulher navegando em um rio. Em sua margem podemos ver uma cidade e uma selva exuberante. Uma cena que inspira cuidado com as águas

Obra “Chegança”. Grupo Matizes Dumont. Clique Aqui para ver mais.

Por conta disto, cada bordado nosso é um curso d’água, é um traço de resistência, é um compromisso com as corredeiras que nos formam, que nos alimentam e que nos movem.

Como diz nossa amiga Verinha Catalão:

“Águas como bem querer, como bem comum”.

Precisamos espalhar esta ideia aos quatro cantos para a compreensão que a água é mesmo um bem querer e um bem comum” neste mundo onde 2,2 bilhões de pessoas ainda não têm acesso à água potável. Mundo onde 80% das águas residuais são lançadas sem tratamento.

Para nós ribeirinhos, “Povo d’água que vive entre rios” é fundamental reconhecer que a preservação das águas é um dever técnico sim, mas principalmente é um compromisso pessoal, afetivo, cultural e espiritual.

Recorte da obra “Jangadeiro”. Grupo Matizes Dumont. Clique aqui para ver a gravura completa.

Na carreira de um rio a água é mais que um recurso

A água é parte da identidade, da ancestralidade, é Ser que escorre pelas veias da arte mundo à fora. Está presente na literatura, na música, nas lendas, nas cantigas populares , nas artes visuais inclusive os bordados. E, no bordar, reencontramos uma forma de nos reconectar com a natureza e com nossas próprias raízes.

Beiras de rio fazem parte da nossa cartografia afetiva, onde linhas são correntezas e mudam de tons nas curvas e nos remansos, cores são braços de rios que encachoeiram nos tecidos, territórios sagrados.

Grupo de Mulheres bordando a beira de um rio fantástico. Crianças brinca perto. Uma cena que inspira cuidado com as águas

Obra “Mulheres que Bordam Entre Rios”. Grupo Matizes Dumont. Clique Aqui para ver mais.

Desde cedo descobrimos que entre agulhas e fios, a arte pode ser um instrumento de educação para o sensível, capaz de mobilizar, de despertar consciência e provocar mudança de atitudes para o cuidado com as águas .

Bordar águas é, portanto, uma escolha íntima e que aflora no coletiva. É escolha poética e política, compromisso silencioso,m com a vida em movimentos. Ao bordar podemos resgatar histórias esquecidas, honramos nossas raízes e ativamos nossa capacidade de cuidar daquilo que é essencial, mas tantas vezes invisível.

Rio São Francisco. Pirapora – MG.

Para quem vive entre rios, cercado de histórias, plantas, afluentes e afetos, o bordado é um canal legítimo, uma linguagem para resistir e transformar.

Para “povo d’água” que somos e vivemos “entre rios“ é tarefa que começa no afeto, no cuidado com as águas diário, na prática do “Bem Viver”. Principia no reconhecimento de que somos parte de um grande tecelagem onde se urde e borda a vida.

assinatura Marilu Dumont

 

Brasília, 28 de março de 2025.

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