Continuo aqui com as metáforas do bordado que me agradam muito. Olho para minhas caixas de linhas. Nelas percebo reflexos e a leve poeira das cores, a origem desconhecida de cada uma delas. Ali reconheço o tempo em suas texturas e as singularidades com as quais chegaram às minhas mãos.
Sempre me encanto com maravilhosos formatos e diferentes belezas, suavidades ou rugosidades dos novelos, meadas, carretéis, tranças. Às vezes são suaves fios ou linhas de maior trançado, de seda, de lã, do mais puro algodão. Fico aqui pensando comigo mesma como surgiram, como foram se modificando ao longo dos tempos.
Desde antes do bordado de Bayeux, um dos maiores documentos imagéticos da Idade Média e a primeira ilustração que se tem notícia, fios e cores surgiam a partir da inventividade de mulheres e homens partir da sua relação com a natureza.
Mais adiante, com a chegada da Revolução Industrial muitas inovações foram chegando ao mundo da tecelagem, dos bordados. Cores foram inventadas – o que era antes feito a partir de folhas e frutos, cascas, passou a ser feito quimicamente. Modificações que vão desde às espessuras das lãs, sedas e algodão até às cores, que foram mudando até chegar até nós como são hoje.
Na minha concepção simples de bordadeira o pensamento sobrevoa o incansável “espaço da mente” e penso na convergência entre ciência, arte, filosofia e a espiritualidade. Lembro que isso é a trama de um tecido cujas urdiduras enriquecem nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Cada uma delas – ciência, arte, filosofia e espiritualidade nos oferece uma perspectiva singular e valiosa, contribuindo para novos bordados da experiência humana. E vem a pergunta: como esses fios se entrelaçam ao (A)Bordar o Ser?
Os fios da ciência, mistérios do universo
A ciência, com sua abordagem metódica e baseada em evidências, tem sido fundamental para desvendar os segredos do universo físico e do não imaginado ainda. Desde as revoluções científicas de Copérnico e Galileu até as teorias revolucionárias de Einstein e Hawking, a ciência nos proporcionou insights profundos sobre a natureza da realidade.
Por meio da experimentação e da observação, a ciência nos permitiu compreender as ciências naturais e desenvolver tecnologias inovadoras que moldam nosso mundo moderno. A ciência está sempre na linha do horizonte dos fios, cores, tecidos, dos cursos on-line, da mediação da internet.
As linha da Arte: fios do vivido, do sensível e da imaginação solta para expressar a essência humana
A arte, com sua capacidade de expressão criativa, emocional, nos convida a explorar a sensibilidade – riqueza da experiência humana. Desde as primeiras pinturas rupestres até as obras-primas da Renascença e da arte contemporânea, a linguagem da arte tem sido um meio poderoso de comunicação, reflexão e de manifesto.
Por meio da arte autores das obras capturam a essência da vida. Expressões como a pintura, escultura, música, literatura, teatro, artes têxteis como a tecelagem e o bordado (A)Bordam o Ser sensível e amoroso, transmitem emoções, ideias e perspectivas que ultrapassam as barreiras linguísticas e culturais.
Das pinceladas, passando pelas notas musicais, palavra escrita, ou pontos do bordado é que surgem expressões do ser sensível que habita em cada um de nós. A arte nos convida a mergulhar nas profundezas da nossa própria humanidade, uma reflexão sobre o mundo que nos cerca e nos conecta com os outros de uma maneira poderosa.
Os novelos da Filosofia, da Existência e da Espiritualidade
A filosofia, com sua busca incessante pela verdade e pelos significados, nos desafia a questionar nossas suposições e a explorar as complexidades da existência humana. Desde os diálogos de Sócrates e Platão até as reflexões existenciais de Nietzsche e Sartre, e ecoando até nós na voz dos povos originários Andinos e de Ailton Krenak lá da beira do Rio Doce. A filosofia nos convida a refletir sobre questões fundamentais sobre a natureza da realidade, a ética, a consciência e o propósito da vida. A partir da análise crítica e da argumentação lógica, a filosofia nos ajuda a navegar pelas incertezas e ambiguidades do mundo.
A espiritualidade, com suas tradições e práticas, oferece um caminho para a conexão com o divino e a busca de significado e do sublime. Das tradições religiosas do mundo às práticas de meditação e contemplação, a espiritualidade nos convida a explorar as dimensões mais profundas da existência e a cultivar uma sensação de paz interior e bem-estar. Através da busca espiritual, podemos encontrar consolo em tempos de adversidade e nutrir nossa conexão com algo maior do que nós mesmos.
Costuras para o Bem Viver: Vivendo em Harmonia com a Natureza
O Bem Viver, uma filosofia ancestral dos povos indígenas da América Latina, nos convida a viver em harmonia com a natureza e a buscar o equilíbrio entre o individual e o coletivo. Essa abordagem holística valoriza a interdependência entre os seres humanos, a Terra, a Água, o Fogo e o Ar, garantindo a sacralidade da vida e a necessidade de cuidar do nosso lar comum. Ao adotar os princípios do Bem Viver, podemos cultivar uma relação mais sustentável e respeitosa com o mundo natural, fortalecendo nossa conexão com o todo como num grande tear.
Roda de fiar encontros
Nessa tardinha do azul de maio celebro a Unidade na Diversidade, e celebro a Interconexão de tantos teares, bilros, tramas, urdiduras, delicados fios na circularidade de uma roda de fiar encontros que é a vida, essa Roda de Fiar Encontros.
Ao considerar e buscar a interdependência entre tantos fios, novelos e meadas, podemos abraçar a diversidade de experiências e conhecimentos que elas nos oferecem. Ao honrar a Terra, a Água, o Fogo e o Ar, e ao buscar o Bem Viver em harmonia com o mundo natural, podemos nos conectar mais profundamente com o milagre da vida e com a vastidão do universo.
Isso tudo só pra um bordar diferente com todos os fios sensíveis da interconexão entre ciência, arte, filosofia e espiritualidade. Ou tudo isso para encontramos novas perspectivas e sabedoria que enriqueçam nossos caminhos e o transformem nosso jeito de caminhar pela vida.
Convido você hoje para olhar o sol adormecendo na linha do horizonte, ou quem sabe os sons da Via Láctea, transloucadamente ouvir estrelas como disse nosso Olavo Bilac! O céu estrelado é cheio de cantigas, e a luz da manhãzinha tem barulhinho poético de água encachoeirando em suas vãs filosofias.
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