Sonha que lá vem a estrada

É o sonho.

Enquanto a gente sonhar

A estrada permanecerá viva.

É para isso que servem os caminhos,

Para nos fazerem parentes do futuro

(Mia Couto)

O que faz andar a estrada? Esse Mia Couto!… Faz a gente pensar de um jeito que não ousamos pensar antes. Aceitar que a estrada está viva e que é ela que anda exige que aprendamos a pensar com o lado direito do cérebro – o lado que sabe sonhar!

É justamente nossa capacidade de sonhar que faz a estrada andar. Não só uma estrada, mas tantas quantas formos capazes de sonhar. Cada sonho sonhado é um universo que se abre para a sua concretização. Nesse exato instante, quando abrimos a porta de um sonho, o caminho que nos leva a esse sonho ou a esse novo universo começa a andar em nossa direção.

Ainda menina, entre banhos de córregos, poesias e histórias de onça e assombração, eu sonhava ser destemida e livre como uma piabinha tonta. Fui alimentando esse sonho com alegria, arte e emoção. O caminho da piabinha estava, assim, traçado. Nele eu me via assumindo tudo que esse caminho entre rios trazia, sempre com a liberdade e a determinação de seguir entre correntezas e saltar em águas de remanso.

E outros sonhos foram brotando com as primaveras pelas estradas. Lembro de uma manhã, ainda menina, deitada na tampa da cisterna lá de casa e olhando o céu de maio.  Deitar naquela cisterna não era a coisa mais sensata… mas pensa o que uma piabinha tonta é capaz de aprontar! Tudo que eu sonhava, contemplando os brancos entreazuis, era um dia claro pro meu futuro. Sonhava pro meu caminho ser de fazer bonitezas – as “arte-manhas” que eu via acontecer no quintal da casa de vó Bilu. Não queria ser água parada da cisterna!

Nadei em muitas águas. Descobri que as veredas da arte são muitas e fui tentando: seria eu uma bailarina? Uma pianista? Uma pintora? Um tiquinzim de escritora? No colégio das freiras, comecei o piano, dancei no Aruanda em Belo Horizonte, pintei umas aquarelas e rebordei uns escritos.

E de tanto sonhar, descobri um sonho que sonhava tudo junto de uma vez só: o bordado! Esse é que foi “deverdade” o meu caminho de inspiração que me mantém viva e livre. Quando Mia Couto diz que os caminhos servem para nos fazerem parentes do futuro, é isso que o caminho do bordado fez e faz comigo: uma eterna sonhadora de futuros próximos que se concretizam em projetos antes escritos no vento. E como diz outro gênio, nosso mineiro Milton Nascimento, “os sonhos não envelhecem”

Obra: Dançando

 

 

 

 

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