Arte do Bordado à Mão: Patrimônio Cultural Imaterial

O bordado à mão é uma manifestação artística ancestral que remonta a tempos imemoriais.  

Ao longo da história, pessoas têm utilizado agulhas e fios para criar ornamentos, padrões e imagens para embelezar suportes feitos de couro, seda, algodão ou lã. Essa arte tem suas raízes em diferentes culturas e tradições, expressando uma identidade e os valores de comunidades ao redor do mundo, aparece em representações dos mitos, nos contos de fadas, e no cotidiano das pessoas. O bordado à mão é uma tradição passada de geração em geração, entre avós, mães, filhas, netas, sobrinhas, afilhadas. Talvez por isso mesmo o bordado como uma força transgeracional seja considerado bem cultural e patrimônio imaterial brasileiro.  

Obra Mulheres Coletoras do São Francisco. Bordado Matizes Dumont.

Obra Mulheres Coletoras do São Francisco. Bordado do Grupo Matizes Dumont.

Para o IPHAN “os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas). A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial”. 

Assim, ao caminhar com a manualidade do bordado, percorremos histórias, tradições culturais, registros do vivido. Cada ponto, cada linha entrelaçada conta uma história, carrega consigo a essência de um povo, suas crenças, suas aspirações e sua herança. Bordado é linguagem, é leitura e especial forma de comunicação. A linguagem do bordado pode até parecer silenciosa, mas pulsa, dá risadas, grita de emoção em seus registros feitos com agulhas, linhas e cores: bordação que transcende as barreiras linguísticas e conecta pessoas pelo tempo e espaço. 

Bordado à mão: patrimônio cultural

Foto de arquivo Matizes Dumont.

A história milenar do bordado à mão 

A história milenar do bordado à mão remonta a tempos ancestrais, revelando-se como uma forma de expressão artística que transcende gerações e culturas. Desde os primeiros vestígios arqueológicos até as práticas contemporâneas, o bordado tem desempenhado um papel fundamental na história. 

Agulha feita de ossos achatados. Essa agulha foi encontrada em uma caverna francesa.

Agulha feita de ossos achatados. Essa agulha foi encontrada em uma caverna francesa.

Os primeiros bordados datam de milhares de anos atrás, e ao longo do tempo desenvolveu-se em diferentes regiões do mundo, adquirindo características distintas e refletindo a diversidade cultural e artística de cada local. Na Antiguidade, civilizações como a egípcia, a grega e a romana utilizavam o bordado para enriquecer roupas, cortinas e tapeçarias, empregando fios de seda, ouro e prata para criar peças específicas e específicas. 

Ao longo dos séculos o bordado à mão continuou a evoluir e adaptou-se às mudanças sociais e estéticas. Durante o movimento Artes e Ofícios (movimento estético surgido na Inglaterra, no final do século XIX), houve um ressurgimento do interesse pelo artesanato e pelo bordado à mão. Esse movimento “defendia o artesanato criativo como alternativa à mecanização e à produção em massa e pregava o fim da distinção entre o artesão e o artista”, rompendo paradigmas e valorizando a habilidade manual. 

Manto Caledário Pré-Inca da cultura Paracas.

Manto Caledário Pré-Inca da cultura Paracas.

No universo das artes manuais, o bordado destaca-se como uma técnica que transcende o tempo e preserva a tradição cultural de diferentes povos ao redor do mundo. Com uma agulha, linha e criatividade, os bordados tornam-se verdadeiras obras de arte que contam histórias, expressam identidades e perpetuam costumes ancestrais. Por conta disso é uma rica tradição que reflete saberes e cuidados de uma bordadeira, e ao ser transmitida entre gerações contribui para sua preservação cultural e reconhecimento na contemporaneidade. 

O papel do bordado à mão e a preservação cultural 

O bordado à mão desempenha um papel fundamental na preservação cultural, resgatando tradições ancestrais e transmitindo conhecimentos valiosos de geração em geração. Essa forma de arte milenar é um testemunho vivo da identidade cultural de diferentes comunidades ao redor do mundo. 

Por meio dele a história e os valores de uma cultura são expressos em fios coloridos e movimentos ao formar belas e curiosas imagens. Cada ponto carrega consigo uma narrativa, seja ela inspirada em mitos, lendas, trajes locais ou em elementos da natureza. O bordado feito à mão permite que essas histórias sejam preservadas e transmitidas, mantendo vivas as memórias e tradições de um povo. 

Detalhes em lã sobre linho da tapeçaria de Bayeux, século XI.

Detalhes em lã sobre linho da tapeçaria de Bayeux, século XI.

Além disso, é uma forma de expressão individual e coletiva, e os artesãos que dominam essa técnica especial são guardiões de um conhecimento valioso, adquirido ao longo de muitos anos de prática e dedicação 

O bordado desempenha ainda importante papel na promoção da inclusão e na valorização de diferentes culturas, por incorporar elementos simbólicos que representam a história e a ancestralidade de um povo, criando conexões e pontes entre diferentes grupos culturais. Por meio dessa antiquíssima arte, é possível celebrar a diversidade e promover um maior entendimento e respeito pelas diferentes culturas presentes em nosso mundo. 

O valor do bordado como bem cultural e patrimônio imaterial  

O bordado é reconhecido como um patrimônio cultural imaterial em várias culturas, dentre elas o Brasil, o que significa que sua importância vai além do valor material das peças produzidas. O reconhecimento oficial desse patrimônio busca preservar e promover a prática do bordado à mão, bem como salvaguardar os conhecimentos, técnicas e tradições associadas a essa arte. 

Ao ser reconhecido como patrimônio imaterial, o bordado à mão ganha visibilidade e valorização. Isso contribui para a perpetuação dessa forma de arte, estimulando a transmissão do conhecimento e a preservação das tradições. 

Bordado à mão: patrimônio cultural. Maria Helena ensinando Ponto de Bordado em uma oficina do Matizes Dumont

Maria Helena ensinando Ponto de Bordado em uma oficina do Matizes Dumont. Foto de arquivo Matizes Dumont.

A preservação do bordado à mão como bem cultural e patrimônio imaterial é essencial para a manutenção da diversidade cultural e para a valorização das habilidades artesanais. Através do reconhecimento e do apoio às práticas tradicionais de bordado à mão, é possível garantir que essa forma de arte continue a ser apreciada, praticada e transmitida para as futuras gerações, garantindo a riqueza do patrimônio cultural da humanidade. 

Ao praticar o bordado livre e feito à mão, estamos participando de um ato de resistência cultural. Em um mundo cada vez mais digital e impessoal, essa arte manual favorece a conexão com nossa essência, com o toque humano e com a paciência necessária para criar algo único e significativo. É uma forma de expressão individual e coletiva, que nos permite deixar uma marca duradoura em nossas criações. O bordado, portanto, ao longo dos tempos cumpriu função não apenas utilitária, mas como linguagem estética-poético-visual. 

Bordado no contexto contemporâneo  

O bordado passou por transformações, incorporando influências de movimentos artísticos como o modernismo e o contemporâneo. Artistas e designers procuram utilizar o bordado como meio de expressão pessoal e política, explorando novos materiais, técnicas e temas. 

Bordado à mão "Empty Man", do artista brasileiro José Leonilson.

Obra Empty Man, do artista brasileiro José Leonilson.

Para nós que praticamos o bordado como linguagem, bordar é uma forma de arte que nos conecta à ancestralidade, ao feminino, às delicadezas. Contribui para enriquecer nosso presente, garante a continuidade de expressões únicas – a nossa herança cultural – e promove um mundo mais diverso e inclusivo. 

A vida em movimento trouxe novas perspectivas e abordagens ao bordado, como a fusão com elementos de arte contemporânea e criação de obras de expressão pessoal e política. O bordado ancestral continua a ser poderosa forma de expressão artística e cultural, mesmo em um mundo cada vez mais digital. 

Celebremos essa arte como um bem cultural e patrimônio imaterial.  

Abrace a beleza e a magia do bordado.  

assinatura Marilu Dumont

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3 Comentários

  1. marialba gomez

    Muito bom ler essas informações e reflexões sobre o bordado.
    Sou psicóloga e trabalho com o bordado em grupos terapêuticos.

    Responder
  2. marialba gomez

    Muito bom ler essas informações e reflexões sobre o bordado.
    Sou psicóloga e trabalho com o bordado em grupos terapêuticos.

    Responder
  3. Dorila

    A tempos eu procurava a história do bordado, achei. Conteúdo muito interessante.

    Responder

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