O potencial criativo e expressivo da arte do bordado como narrativa tem sido uma forma de expressão em diferentes culturas. O bordado oferece um caminho para contar histórias por meio de fios, tecidos, pontos, e a escolha cuidadosa dos materiais e técnicas pode enriquecer significativamente a narrativa poética. Tomemos como exemplo a Tapeçaria de Bayeux. Nela as imagens descrevem cenas do cotidiano na Inglaterra e tem como tema a batalha de Hastings na conquista da Normandia.
Datado do século XI, esta tapeçaria é a referência primeira em ilustração de todos os tempos e o curioso é que tecnicamente ela não é uma tapeçaria, mas sim um bordado. Feita coletivamente por artesãos ingleses de Canterbury com bordados em fios de lã sobre linho rústico utilizando pontos simples que conhecemos até hoje. As cores eram as existentes na época, predominando os tons terrosos, mostarda, branco e preto que conferem um tom dramático, intenso à obra.
A influência das técnicas e materiais têxteis na criação de narrativas poéticas na Vida Bordadeira.
Os materiais têxteis desempenham importante papel nas diferentes linguagens da arte e no planejamento de uma obra, como é o caso do bordado. Dialogam com imagens na criação de narrativas poéticas do bordado e por si só isso já é algo desafiador.
Este é um momento da minha vida bordadeira que exerce grande fascínio sobre mim, ao começar cada bordado, quando tenho à frente um campo enorme de pesquisa em busca de forma, textura, cor e luz – quarteto mágico e inspirador.
Considero este momento de grande riqueza pois sempre traz surpresas, e o inesperado pode provocar belas mudanças no plano inicial. Fico horas – e quem sabe dias inteiros buscando nas gavetas, armarinhos, nas lojas e nas dobras da alma a riqueza dos materiais que vou utilizar. Textura, cores, formas e a manipulação dos tecidos podem evocar uma variedade de emoções e significados, contribuindo para a beleza da história a ser contada.
O “pano de fundo” ou o “suporte” por onde agulha e linha vão percorrer são cheios de vazios e de sentidos e deverão ser escolhidos de acordo com o que se quer mostrar. Podem ser tecidos de tear, pintados à mão ou comprados na loja da esquina. Por exemplo, ao escolher fazer uma toalha de mesa, o uso de tecidos ásperos e irregulares como o linhão podem transmitir uma sensação de volume, rusticidade, simplicidade enquanto tecidos suaves e delicados como o organdi ou cambraia podem evocar uma atmosfera de delicadezas.
Cores, linhas, sensações e o que se quer transmitir
A escolha das cores também desempenha um papel fundamental na criação do bordado como narrativa poéticas. Os riscos ou motivos para bordar são os registros do vivido, das emoções. As escolhas das cores são repletas de significados e acrescentam uma pitadinha a mais à história contada.
As escolhas incluem uso simbólicos da temperatura das cores – mesmo que intuitivamente – possa recorrer aos tons frios como os verdes, azuis, lilases e sugerir PAZ, tranquilidade. Ou quem sabe preferira as cores vivas em tons quentes vibrantes como vermelhos, corais, amarelos, marrons, que podem transmitir alegria e vitalidade?
Isso sem falar nas cores neutras como o preto, branco e cinza. O bom de tudo isto é que posso decidir juntar belamente as cores, harmonizando-as.
E se você me disser que o emprego das cores é uma dificuldade para a sua prática do bordado?
Respondo rápido: foco e sensibilidade! Olhe em volta, a natureza tem seu círculo cromático na prática! Comece olhando os matizados do miolinho das flores, a luz do sol cintilando nos “segredos vegetais” das árvores de tantas cores e formatos.
Dos fios artesanais às linhas industrializadas – todos são encantos e encontros
As linhas são outro mundo onde mergulho intensamente e posso descobrir um mundo novo a cada imersão.
São fios de texturas variadas, de lã, de algodão, de seda que vão me acompanhar nas laçadas do belo, do extravagante e ousado, nas delicadezas da alma. Uso tudo sem moderação porque é assim que a alma pede!
Técnicas de bordado e narrativas poéticas
Além dos materiais têxteis, as técnicas de bordado desempenham um papel especial na criação do bordado como narrativa poética. A escolha dos pontos, a densidade do bordado e o manuseio dos fios podem contribuir para a expressão artística e a transmissão de significados poéticos. Quero dar leveza uso o ponto chavão e alinhavos para criar linhas suaves e delicadas, evocando uma sensação de fluidez e movimento. Recorro aos pontos corrente e palestrina, matiz que podem ser usados para adicionar textura e profundidade à minha narrativa visual.
Para dar mais profundidade e sentidos ao bordar de forma contemporânea, há que se misturar pontos do bordado clássico e a inventividade do bordado livre. Não precisa saber muitos pontos não – basta deixar fluir. Já perdi a conta dos pontos existentes – muitos têm apelidos – é até engraçado ver como os nomes mudam conforme a região da pessoa que borda.
Mas essa conversa é longa e rende muito ponto de prosa para outra ocasião. Hoje fico por aqui, lembrando que a escolha cuidadosa de tecidos, tipos de fios, cores e técnicas de bordado pode favorecer a poiética e criar narrativas visuais profundas e emotivas de temas relacionados à memória, identidade e conexão humana.
Até sempre!
Maravilhoso artigo, muito bem elaborado tanto em texto quanto em imagens ♡♡♡♡♡♡
Amo os comentários da Marilú!
Marilu, fico encantada com a maestria com que voce usa as palavras, com a sensibilidade e harmonia com que voce usa as linhas e os pontos do bordado.
Sempre que venho aqui ver os vossos trabalhos, fico maravilhada……………..e tenho que comentar………………….os meus parabéns por todos estes trabalhos muito criativos e extremamente bem executados,
abraços,
linaleal.