Trecho do capítulo Efeitos cromáticos do livro Harmonia das Cores nos fios
do bordado – Alquimias na vida de uma bordadeira, de Marilu Dumont –
Matizes Dumont/ICAD 2021
As cores me envolvem em alquimias. Elas são resposta sensível da minha história de vida e ao mesmo tempo a teriaga, a poção antídoto a me fascinar e proteger. Ouvi a palavra “teriaga” pela primeira vez na farmácia de seu Emídio e Ciro Freire em Pirapora-MG.
Por volta dos sete anos de idade comecei a ver as cores como a teriaga da minha vida, mesmo sem entender direito o que era isso.
Aprendi a colher a força dos vermelhos quentes das pimentas e do urucum, o amarelado gengibre, os tons terrosos da canela e o ouro do açafrão. O azul do céu me atraia e me divertia vendo a pedrinha de anil derretendo-se na água do córrego pela mão da lavadeira.
Descobrir a fusão das cores do doce de buriti, do rubro doce de goiaba no tacho acobreado de meu tio Júlio, ou colorir os desenhos nas pedras da porta da casa ou nos fios do bordado sempre foi mais que divertimento.
No meu processo criativo, tenho o hábito de organizar e reorganizar as linhas num ritual antigo, fazendo combinações das cores – ora mais intensas e quentes, ora as mais frias… intercaladas em caixas de meadas e novelos.
Essas misturas resultam das cores vividas no cerrado, cores da minha emoção mais antiga. O cerrado muda de cor a cada estação. Quando o verde estrala, o vermelho brota e o amarelo surpreende. E é por isso mesmo que nem sempre mantenho as caixas de linhas iguais por muito tempo. Na verdade, tenho é muito gosto em refazer tudo, de tempos em tempos.
Planejar as cores dos fios do bordado carece de liberdade nas escolhas, flexibilidade, paixão. Não há uma fórmula pronta, mas há como conhecer as cores e os sentimentos que elas provocam. Alcançar esse autoconhecimento é importante. Agrega novas camadas de consciência ao seu bordar.
Cores, emoções e sentimentos estão intimamente ligados, logo, as escolhas de cores ao bordar são também escolhas de sentimentos a serem colocados no pano e que farão parte da história que você está
contando. Tudo que você é, naquele momento, estará presente no olhar do observador da sua obra.
Misturo as cores quentes e frias com delicadeza, em pequenos espaços do tecido a ser bordado com sentidos e sentimentos. A definição das cores, luz e sombra nos traçados e contornos vai depender do “motivo” (ou tema). Que tal um pouco de coragem aqui, um pouquinho de leveza acolá, que tal um céu coberto de esperança?
Há também o espaço para transmutar a raiva, o medo, a tristeza e tudo mais que também nos faz gente. Certamente vou me arriscar nas escolhas e isso é fundamental para minha arte bordadeira.
Cores Quentes
As cores quentes lembram a iluminação do dia e são ótimas para dar ênfase nas ideias de avanço e expansão, ou para dar um toque de ação nas cenas, movimento, dinamismo. Gosto de misturá-las, às vezes, com uma pitada inesperada de cor fria, para dar ênfase pelo contraste.
A combinação de cores quentes entre si é sempre muito espetacular – os vermelhos, corais e amarelos na chama do fogo. Mas observe que os arremates da chama têm toques azulados entre os dourados.
Cores frias
As cores frias lembram a noite. Sinalizam recolhimento, introspecção…enquanto as cores quentes despertam e estimulam, as cores frias acalmam e relaxam.
Os azuis têm muitas escalas e, com eles, vou do céu até aqueles longes azulados das montanhas dos quais gosto tanto. Em muitos casos, ficam lindos perto dos verdes – na verdade, combinam muito mesmo é com a sua criatividade. Experimente-os também junto com os laranjas, roxos, brancos…
As cores estão por todo lado, e dentro da gente. Há que se começar ou (re)começar o exercício do olhar om sensibilidade. Mas este é assunto para outro dia.
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